segunda-feira, 2 de março de 2009

Eu protesto! Reforma entre os protestantes.


Nós, os protestantes...

Atacamos os judeus por terem rejeitado o Messias, tendo nós mesmos o rejeitado igualmente a ponto de pô-lo a bater à porta esperando que a abramos. O judeu pobre, humilde, sofredor, que nos manda oferecer a outra face e andar a segunda milha é posto à cruz por nós sem dó e sem piedade, pois sua mensagem, vinte e um séculos depois, parece-nos igualmente estranha e sem sentido, porque queremos um guerreiro triunfante ao invés de um carpinteiro desprovido de beleza que lava os pés aos outros.

Protestamos contra a Igreja Católica por estabelecer mediadores entre Deus e o seu povo, mas, de igual modo, instituímos vicários entre o Senhor e nós, confiando em lugares, coisas, pessoas e orações ‘fortes’, transferindo a honra que não é dada a outrem para pessoas que em nossos cultos brilham mais do que Aquele a quem dever ser dada a glória na Igreja. Criticamos ainda a Igreja Católica por apresentar-nos um Cristo exaurido, fraco e derrotado, conquanto não tenhamos em nossa vida diária uma melhor ‘versão’ do Filho de Deus para apresentarmos ao outros.

Posicionamo-nos contra o hinduísmo com seu panteão composto por milhões de deuses, quando temos, grande parte de nós, nosso deus de fabrico próprio, fundido e talhado por nossas mais piedosas e sinceras intenções, o que nos dá uma religião, também, politeísta, antropomórfica, idólatra e monística.

Criticamos o fundamentalismo islâmico e a sua outra “escritura” como abomináveis, entretanto, matamos em nome de Deus e criamos nossas próprias normas, embora juremos ser a Bíblia nossa única regra de fé e de prática. Também derrubamos torres e bombardeamos vidas; às vezes do modo mais covarde possível: escandalizando-as e impedindo-as de entrar no Reino dos céus. Ai de nós!

Abominamos a depravação do mundo, mas fingimos não ver a avalanche de fornicações, adultérios, divórcios, escândalos, politicagem e todas as vis imoralidades em nosso meio. Criticamos o seu desamor e egoísmo, porém agimos como se acompanhássemos a marcha de bilhões de almas ao inferno com a calma estóica e parcimoniosa de quem assiste um desfile de 7 de setembro procurando um lugar à sombra na arquibancada.

Enfurecemo-nos tanto contra o ateísmo como contra o cientificismo, embora muitos de nós agimos como se não existisse um Deus que é como fogo consumidor e em cujas mãos cair é coisa horrenda!

Enxovalhamos Hollywood por seu engano, luxúria e fantasias, mesmo os vivendo vicariamente e os aplaudindo, desejando comprá-los com o cartão de crédito da fé e dando o sangue de Cristo como garantia para nossas compras cobiçosas e egoístas.

Deixamos de ser sal e luz para nos tornarmos uma organização multinacional e milionária, com inúmeras franquias e facções entregues a homens desprovidos de unção e de sangue sobre suas mãos e testas. Já não dizemos ao coxo ‘levanta e anda’, mas continuamos a insistir, indevidamente: ‘olhe para nós’. Possuímos ouro e prata com os quais compramos catedrais e canais de TV, contudo Aquele que edificou a igreja e em cujas mãos estão o cordel e o prumo, nos diz:

Conheço as tuas obras: não és nem frio nem quente, vou vomitar-te. Pois dizes: Sou rico, faço bons negócios, de nada necessito ― e não sabes que és infeliz, miserável, pobre, cego e nu. Aconselho-te que compres de mim ouro provado ao fogo, para ficares rico; roupas alvas para te vestires, a fim de que não apareça a vergonha de tua nudez; e um colírio para ungir os olhos, de modo que possas ver claro. Eu repreendo e castigo aqueles que amo. Reanima, pois, o teu zelo e arrepende-te. Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearemos, eu com ele e ele comigo. Ao vencedor concederei assentar-se comigo no meu trono, assim como eu venci e me assentei com meu pai no seu trono.

Ap 3.15-21.

A história e seus processos deram-nos a alcunha de protestantes devido a nossa afixação de teses em portas alheias. Talvez dessa atitude denunciatória surgiram em nós a prática e os sentimentos velozes de condenar nos outros aquilo que ouvimos dizer que não está de acordo com o Livro que jaz empoeirado em nossas estantes na amarelada página de algum salmo de nosso agrado. Somos hábeis em discernir o erro mesmo quando não sabemos justificar nosso apontamento. Sabemos o que é “de Deus” e o que é “do Diabo” em nossa perspicaz análise meticulosa da grama do vizinho; entretanto, somos tardios e desinteressados quando se trata de avaliar nossa própria prática e doutrina, pois nos jactamos de ser povo adquirido e eleito, coluna e esteio da verdade, contra o qual a menor crítica não é tolerada. A bem da verdade, no que concerne a avaliar a vida cristã, somos especialistas se estivermos falando da vida do irmão, contudo, não nos atrevemos a ter o mesmo zelo para avaliarmos a nós mesmos e a estrutura organizacional na qual estamos inseridos, até porque, a maioria de nós acredita que nossos líderes são “homens de visão” que seguem fielmente as ordens do Senhor, venham elas das visões e revelações dos montes, vigílias, das “irmãs que oram”, do mais recente manual de crescimento sobre “como ser um pastor popular com uma igreja popular” ou mesmo da Bíblia Sagrada, o que é raro. Seja como for, estamos muito bem, obrigado, é o que nos diz nossa cauterizada consciência e nossos rasos sermões pregados pelos nossos igualmente rasos profetas. Deus tenha piedade de nós!

Este pequeno artigo pretende encorajar uma postura madura e piedosa, a fim de que preocupemo-nos não só em ensinar os outros, mas também a nós mesmos (Rm 2.21). Vivemos um tempo em que “os de fora” também apontam os nossos equívocos e incoerências. Fossem eles por causa do velho questionamento puro e gratuito das Escrituras, paciência, pois sabemos que “a fé não é de todos”; porém mais grave do que isso, as críticas que nos chegam são bem mais sérias do que arrazoados e questiúnculas apologéticas extra templa, são questões que denunciam nossa incoerência em pregar uma mensagem que, tristemente, não vivemos em sua expressão maior. Resta-nos, então, protestar contra nossos próprios pecados e abusos, que já de tão volumosos, não cabem mais debaixo do tapete e estragam o belo visual de nossas igrejas além de aparentarem um aspecto de sujidade aos que as observam com atenção. Precisamos de coragem e humildade para reconhecer nossos pecados e iniqüidades (sim, pecado e iniqüidades!), que só poderão ser confrontados e sentidos se nos arrependermos genuinamente, o que se verificará pela confissão e abandono dos mesmos (isso se chama avivamento, que não tem nada a ver com as confusões pentecostais e neo-pentecostais tão amplamente alardeadas e que até hoje nada trouxeram a não ser confusão doutrinária, divisões, escândalos seguidos de escândalos e uma sede desenfreada não para ganhar almas e terminar a grande comissão, conforme se dizia ser a razão do movimento, mas sim para conseguir aquilo de que tanto falam: “poder, poder, poder pentecostal”. Seja ele sustentado pela criação de mais uma nova igreja por alguém que decidiu ser pastor porque o “espírito santo” lhe falou que agora ele deve “pastorear”, ou mandar, ter poder irrestrito, se preferir, seja pela mercantilização da fé, seja pelos cargos políticos nos quais os que se dizem chamados ao ministério envolvem-se alegando terem recebido uma missão “do senhor” e fazendo o rebanho de curral eleitoral. Parece que se tem orado pouco, pois há um jargão pentecostal que diz: “pouca oração, pouco poder”, talvez tenhamos a explicação para tantos disparates), para que o Senhor nos visite com a Reforma de que nós, os protestantes, apesar de gabarmo-nos dela, carecemos desesperadamente.

Quem tiver ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas.

Ap. 3.22.